Por Pedro Jorge
Bastante emocionado, o ex-presidente Lula (PT) evitou falar de improviso para agradecer os três títulos de Honoris Causa recebidos, há pouco, em solenidade no Teatro Santa Isabel em Recife.
Leia a íntegra do terceiro trecho do seu discurso, durante a cerimônia:
“Companheiras e companheiros,
Na Presidência da República, tive sempre presente, como referência moral e política, a extraordinária história de lutas do povo pernambucano.
Procurei honrar essa trajetória libertária e a inigualável contribuição que Pernambuco deu à Independência e ao progresso social do Brasil.
A população brasileira precisa conhecer melhor o papel de vanguarda que, ao longo dos séculos, Pernambuco desempenhou na construção da nacionalidade e na conquista dos direitos das classes populares.
Sem a audácia de Pernambuco, o Brasil não seria hoje a nação livre e soberana que é, nem teria a liberdade e a justiça social como as suas maiores bandeiras.
Refiro-me, por exemplo, à Batalha dos Guararapes, no século XVII, que resultou na expulsão dos holandeses do Brasil. Aquela vitória foi crucial para garantir a unidade territorial do nosso país. E ali, não podemos esquecer, estavam juntos os três grupos raciais que constituíram a nação brasileira, representados por seus chefes militares: Vidal de Negreiros, branco; Felipe Camarão, índio; e Henrique Dias, negro.
Logo viria a Revolta dos Mascates, contra os privilégios abusivos dos senhores de engenho e dos comerciantes ricos.
Em 1817, a gloriosa Revolução Pernambucana exigiu o fim do poder autocrático e a instauração de um regime constitucional no país.
Os ideais democráticos de 1817 ressurgiram em 1824, na chamada Confederação do Equador. Inspirado pelo admirável Frei Caneca, o movimento protestava contra a dissolução da Assembleia Nacional Constituinte e exigia um caminho autônomo para o país.
Não por acaso, os elitistas e conservadores do Império taxavam Pernambuco de “a província rebelde”.
Bendita rebeldia, diríamos hoje!
A Revolução Praieira de 1848 foi, segundo Joaquim Nabuco, a primeira do país a incorporar programaticamente a questão social. Além da Abolição da Escravatura, ela já reivindicava, antecipando-se aos tempos vindouros, direitos sociais e trabalhistas para o povo pobre. E, por isso mesmo, sofreu repressão duríssima, de uma crueldade quase inacreditável.
Na luta contra a escravidão, Pernambuco mais uma vez esteve na linha de frente, elegendo deputado o próprio Nabuco, um dos maiores próceres abolicionistas.
Já no século XX, Pernambuco foi precursora das Frentes Populares.
Em 1946, o saudoso Barbosa Lima Sobrinho elegeu-se governador do estado, e seu secretário da Fazenda era um jovem chamado Miguel Arraes.
E vieram a seguir as eleições de Pelópidas da Silveira e do próprio Arraes, que se tornaria um dos grandes líderes progressistas do país, e que deixou muitos herdeiros políticos, entre eles meu querido companheiro governador Eduardo Campos.
Foi da Arquidiocese de Olinda e Recife que o cearense e carioca Dom Hélder Câmara pregou o evangelho da justiça ao Brasil e ao mundo.
É importante lembrar também quer este é o estado de Gregório Bezerra, Josué de Castro, Davi Capistrano e Paulo Freire, com seu respeito pela inteligência dos oprimidos. Mais do que isso: com sua profética defesa da capacidade de governo das classes populares. E o paraibano e pernambucano Celso Furtado, criador da Sudene e coordenador do primeiro autêntico plano de metas que este país já teve, cuja obra inspirou, 50 anos depois, o novo projeto nacional de desenvolvimento implementado por nosso governo.
E olhem que eu nem falei dos grandes poetas e ficcionistas pernambucanos, que deram ao Brasil uma profunda compreensão de sua identidade, de sua mescla de culturas e de seu vasto horizonte civilizatório: Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e Ariano Suassuna, para citar apenas três dos inúmeros talentos eruditos e populares desta terra.
Meus amigos e minhas amigas,
Peço licença, ao receber este triplo título de Doutor Honoris Causa, para fazê-lo em nome da tradição libertária de Pernambuco e de todos os brasileiros e brasileiras que contribuíram para o sucesso do nosso governo, tornando o Brasil um país muito mais próspero e justo, e incomparavelmente mais respeitado no mundo.
Muito obrigado.”
Um verdadeira aula de História!